quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Gravação(27-09-2005)


Às vezes gosto de te escrever; não enviar-te cartas ridículas, como todas as cartas fora do seu tempo e espaço, em que tento resgatar-te dum passado já sem substância, mas sim gravar-te no papel, cravar-me no papel e deixar eterno o que já não é…gosto de te escrever.

Às vezes gosto de escrever-te, não para me abstrair do presente mas para guardar em mim tudo o que já fui, como tirar uma fotografia ao momento que já passou e fazer em mim o teu álbum.

Às vezes gosto de escrever-te, para compreender quem sou e não me sentir tão extraterrestre desta minha substância padrão…Será possível canonizar uma existência?Ás vezes gosto de escrever-te, com o pressuposto de que nada disto faz sentido para ti e sem a mínima necessidade de que leias quem fomos e o que foste para mim; chama-me egoísta, egocêntrica ou qualquer que seja a palavra que represente este meu rewind psicológico de imagens, cheiros, sons e pele – quase sabor -, mas o recordar é um acto solitário e tu só podes estar comigo se não estiveres a meu lado. De momento, não faz sentido estares sendo.
Às vezes gosto de te escrever: despir-me deste presente que sou eu – e desejo – e voltar a mergulhar na doçura do que não fomos, só porque não era suposto sermos – e não porque fosse muito cedo, como tu um dia respondeste -. Não, meu querido, não era cedo nem tarde, tudo na vida nos aparece exactamente na altura certa e nós nem temos que tentar perceber; é tão fácil! É só viver, e a vida vai-nos refrescando baixinho com a brisa de Verão, sem pressas ou exaltações, com tudo o que precisamos para aceitar o passado, glorificar o presente e não depender da felicidade que o futuro possa vir a trazer.
Gosto de mergulhar na tua doçura, na forma como me fazias sentir, na dependência que sentia do teu estar, só para me lembrar que já tive o que por vezes desejo e que nunca foi isso que me preencheu, que tocou todos os pontos da minha sensibilidade, que fez desaparecer as ânsias e o vazio de tudo o que não somos, se bem que isto que não fomos não fosse amor.
Às vezes gosto de te escrever…Por favor não me leias nem respondas, de todas as vezes quero-te só aí, nas memórias e nas estórias.
É só às vezes...

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